não é fácil sair do entre aspas
Rodrigo Biti
Quando aprendi a “ler”, “lia” na escola, em casa, na rua... “Lia” tudo que estava escrito diante dos meus olhos. Nas placas, nos outdoors, nas fachadas, nos rótulos, nas bulas, nos manuais de instruções,... Tudo quanto era escrito, eu “lia...”
Quando aprendi a “ler”, não desconfiava do que estava escrito nos livros didáticos, nos de auto-ajuda, nos jornais e nas revistas. Acreditava... acreditava que os escritos serviam apenas à verdade. E que quanto mais lesse, mais sábio seria. E quanto mais lia, mais sentia um imenso orgulho; um orgulho imensamente besta, que dava vontade de sair gritando “Eu sei ler! Eu sei ler! Eu sei ler! Podem perguntar o que está escrito que eu sei ler!!!!” Tinha apenas seis anos, e não mudei muito até os dezesseis. Pois não é fácil sair do entre aspas.
Aos dezesseis, foi quando comecei a inconformar-me, percebendo que muito do que tinha lido até então, ou estava recheado de mentiras, ou omitia importantes verdades. Foi quando comecei a entrar em contato com obras outrora censuradas. Obras de literatura, filosofia, sociologia, psicologia e outras áreas do conhecimento humano passaram a compor o acervo de meu intelecto. As idéias geniais de loucos como Machado, Drummond, Gork, Brech, Gullar, Buarque, Freire, Freud, Marx, Lênin, Gramsci, Politzer, Niestzche, Sartre e muitos outros, que me ensinam a realmente LER. A ler o mundo além dos escritos e das aparências.
Mas, é sabido que não se lê apenas escritos, que a leitura é uma atividade intrínseca à vida humana. Então alguém, um leitor de livros, pergunta: - qual a importância dos escritos, dos livros e das bibliotecas, se o tempo todo estou lendo as coisas do mundo?...
Resposta: só os livros, diga-se de passagem, os bons livros são capazes de fazer o mundo caber na palma da mão. Porém, para sabermos quais são os bons só mesmo com muitas leituras... e releituras... saberemos.
É só para isto que servem os livros, livrarias e bibliotecas. Em si, não servem para nada! Mas carregam, em si, o alimento necessário pra matar a fome de consciência do leitor enquanto homem de ação para transformar radicalmente a dura realidade do mundo
abrindo portas-memórias
Rodrigo Biti
um dia, no passado de sempre
achei-me total'mente perdido, no futuro de sempre
cheio de vazios
fora de mim em meio a tudo
só, inteira'mente só, sem razão
sem loucura
não me via mas sentia
sentia-me o cume de uma montanha invertida
estava numa biblioteca
livros liam-me e eu não sabia
jornais, revistas, manuais, catálogos, bulas, embalagens, etiquetas,...
qualquer coisa lia-me e eu não lia coisa alguma
liam-me as ruas
liam-me faixas
liam-me fachadas
liam-me as estradas em suas placas
o mundo lia-me e eu não lia p. nenhuma, nada!
agora!? agora leio tudo
e estou aprendendo um pouco de alguma coisa desse tudo
outro dia perdi-me, embrenhando-me louca razão acima
achando instantes lotados de livros, verdadeiras obras-primas
não! eles me acharam
na verdade, achamo-nos
os li e muito aprendi
estava numa biblioteca
ou melhor, uma biblioteca
estava em mim